sábado, 24 de janeiro de 2009

Os simsenhores

Aos 59 anos olho meus contemporâneos e me pergunto: Quando nos tornamos um bando de bundões politicamente corretos?


No princípio éramos apenas os simmamãe.

Nos anos 50, uma época que nossos pais consideravam “os anos dourados”, aprendemos a falar e caminhar. Transitamos das fraldas para o vaso sanitário e descobrimos que meninos e meninas tinham pipis com formatos diferentes.

Recentemente passei por uma senhora que passeava com o neto, ela não me reconheceu. Lembrei quando aos 6, talvez 7anos, ela me permitiu olhar seu pipi de perto (BEM PERTO!), eu era o doutor e ela a paciente. Não consideramos a experiência emocionante.

Naquela idade existiam coisas mais atraentes: bicicletas, festas de aniversário e álbuns de figurinhas.

Os pipis ficavam entre o meio e o fim da lista de assuntos e objetos interessantes.

Naquela década, os anos sem pentelhos, convivemos, sem perceber, com as primeiras mudanças de regras e comportamento.

Enquanto em primeiro plano escutávamos o som do “Parabéns a você”, do choque das bolas de gude, da madeira queimando nas fogueiras de São João, ao fundo ocorria uma guerrilha acústica; caras como Chuck Berry, Elvis Presley e Pat Boone davam um “chega pra lá” nas grandes orquestras e nos cantores com vozeirões.

Nem percebemos o Sputinik, as viagens transatlânticas nos novos aviões a jato e as primeiras gravações de João Gilberto.


Nos anos 60 passamos a ser os nãosenhores.

Os pipis passaram do fim para o topo da lista de assuntos interessantes, agora individualizados por sexo e com as mais estranhas denominações. Havíamos entrado na idade dos pentelhos, das picas e das xexecas.

Nesta década o pessoal da nossa geração, com caras espinhentas e cabelos compridos, contestava tudo impulsionado pela força dos hormônios.

Amávamos os Beatles, os Stones e uma penca de conjuntinhos de rock que se perderam na poeira.

As mulheres mais velhas rasgavam soutiens, as mais novas usavam minisaias.

Depois de um longo período em que “rapazes de boa origem não abusavam de meninas de família”, graças aos anticoncepcionais todos passaram a comer todas e vice-versa.

Quebramos regras e derrubamos tabus.

Na América Latina os governos democráticos foram substituídos por ditaduras militares, os Estados Unidos iniciaram a caminhada para a derrota no Vietnam e em Paris estudantes protagonizaram uma revolta que não deu em nada mas derrubou outros mitos.

Enquanto fora do Brasil o rock e o pop ditavam as regras, por aqui a bossa-nova, o cinema novo e a capital nova indicavam que o país estava envolvido no processo de criação de uma cultura tropical diferente de tudo que ocorria no hemisfério norte.

Lá fora a Pop e a Op Art abriram novas perspectivas.

A arquitetura e o design passaram a ser assunto nos meios de comunicação, tiveram seus 15 minutos (dias /anos?) como profetizou Andy Warhol.

Timothy Leary acrescentou novas dimensões aos sonhos, por algum tempo as estrelas no céu pareceram diamantes.

Dois eventos marcaram o final dos anos 60 para nossa geração, o vestibular e o Festival de Woodstock.

Naquele lugar, próximo de New York, foi anunciado o fim da década, das regras vigentes, dos costumes da geração anterior e o início do que supostamente viria a ser a “Era de Aquário”.

A guitarra de Jimi Hendrix criou uma nova versão do hino nacional americano, fechou a cortina dos anos sessenta e insinuou o que seriam os próximos tempos.

Ele não ficou para conferir.


Começamos os anos 70 sendo nãosenhores com maior intensidade.

Os que não puderam ou não conseguiram entrar nas universidades foram buscar seu lugar no mundo.

Um grupo reduzido entrou nas faculdades e iniciou seu período de contestações supondo que estavam sendo originais, como todas as gerações de estudantes universitários que os antecederam.

Na América Latina os regimes militares endureceram, contemporâneos nossos que ousaram contestar as autoridades foram torturados e jogados ao mar de aviões a grande altitude.

Os nãosenhores passaram a ser cuidadosos, deixaram de lado as manifestações públicas e passaram a contestar o regime em ambientes fechados, supostamente protegidos contra o autoritarismo dos governantes.

O tom deixou de ser o grito e passou a ser o sussurro.

O Brasil foi tricampeão de futebol e protagonizou o “milagre econômico”, encerrado ao final da década pelos membros da OPEP.

Deus deixou de ser brasileiro e passou a usar turbante.

O pessoal que saiu das universidades naquele tempo foi recebido de braços abertos pelo mercado, havia trabalho para todos.

Nos anos setenta bebemos, fumamos e muitos cheiraram várias coisas curtindo o som psicodélico do Pink Floyd.

John Lennon e Paul McCartney não dividiam mais o mesmo endereço em Abbey Road.

Mick Jagger tornou-se pai de família.

Os Easy Riders sumiram.

Contrariando as expectativas, pois pensava-mos que o amor livre e as amizades coloridas iriam substituir as relações convencionais, a maioria casou e teve filhos.

Tornou-se rotina encontrar ex-cabeludos e revolucionários, de terno e gravata a caminho de empregos onde batiam ponto.

A imagem contestadora de uma geração que havia promovido mudanças no comportamento e no relacionamento começou a apresentar as primeiras rachaduras.

As prestações da casa, do carro e da televisão a cores colocaram em segundo plano os ideais e sonhos dos baby-boomers, termo que passou a ser comum para designar as pessoas da nossa geração.

Ao final dos anos 70 os poucos nãosenhores ainda existentes eram olhados com desconfiança por aqueles com quem poucos anos antes andavam lado a lado.


Os anos 80 transformaram os nãosenhores em algo indefinido, os quasesimsenhores.

Os ex-contestadores passaram a lutar pela sobrevivência em um mercado de trabalho cujos altos e baixos assemelhavam-se a uma montanha russa.

O fim do regime militar e o início da chamada “nova democracia” trouxeram para o Brasil o caos econômico e a filosofia do “salve-se quem puder”.

Os poucos privilegiados que ficaram à margem desta insanidade coletiva foram os funcionários públicos, cujos direitos e estabilidade asseguravam um total descompasso em relação ao que ocorreu na iniciativa privada.

O sexo mudou, saiu de cena a terminologia rasteira e entrou o reino animal, as picas tornaram-se pintos, as xexecas assumiram sua porção perereca.

Gente que antes trepava em qualquer lugar e em qualquer posição, passou a “bimbar”, termo que não agredia os delicados ouvidos das crianças.

O dinheiro trocou de mãos, saíram de cena os abonados tradicionais; a economia dos novos tempos deu origem aos novos-ricos, eles passaram a ser a cara da era do vale-tudo.

Antigos contestadores entraram para a política, estiveram entre aqueles que escreveram a constituição de 88.

Ela deveria assegurar as liberdades individuais mas tornou-se o instrumento que passou a assegurar a impunidade de alguns dos piores bandidos da história recente do país.

Os quasesimsenhores assumiram sua porção “politicamente correta” bem antes do termo tornar-se trivial, a hipocrisia assumiu seu lugar no cotidiano.

O downsizing e a reengenharia destruíram as ilusões e as perspectivas de muita gente.

John Lennon acertou: o sonho havia acabado.

Ao final dos anos 80 a onda de criatividade que caracterizou as três décadas anteriores perdeu a energia, era o início do tempo das cópias, das imitações e do mau gosto.


Os anos 90 assistiram a metamorfose final : os mornos quasesimsenhores, caricaturas dos antigos nãosenhores tornaram-se os tristes simsenhores.

A geração que quebrou regras, derrubou tabus e destruiu mitos percebeu espantada que havia esquecido algo importante: aqueles que destroem um conjunto de regras deveriam estabelecer os novos parâmetros.

Fomos excelentes no quebra-quebra e um fracasso no que toca à reconstrução.

Um contemporâneo nosso foi eleito para a presidência da república escapou do impeachment graças à renúncia, saiu de cena como símbolo da corrupção.

As cidades incharam, degradaram, tornaram-se inseguras e passamos a viver cercados por grades e sofisticados esquemas de segurança.

O cão foi substituído pela cerca eletrificada, o televisor tornou-se o melhor amigo do homem.

Os contestadores de trinta anos antes passaram a dizer sim a todos que eventualmente pudessem assegurar a manutenção de seu status: sim para a mulher, o patrão, os membros do sindicato, os políticos, e até para o síndico do condomínio.

Sim, sim, sim.

Nos homens as barrigas cresceram, os cabelos começaram a sumir, e a luta pela sobrevivência passou a ser violenta.

Para cada baby-boomer agarrado a seu emprego existiam vários filhos de outros baby-boomers dispostos a tudo para ocupar seu lugar.

Nas mulheres começaram a surgir as marcas da derrota para os hormônios e a gravidade.

Os peitos e bundas, antes objeto de desejos masculinos, agora eram mantidos graças a incontáveis regimes, horas de malhação e dietas malucas.

As gatinhas dos anos 70 estavam em plena meia-idade na luta contra os efeitos do tempo, um jogo de cartas marcadas do qual inevitavelmente sairiam perdedoras.

Os antigos pipis que foram elevados a categoria de picas e posteriormente aceitaram sua humilde condição de pintos estavam em vias de tornar-se “carninhas” escondidas pelas abas das barrigas.

As xexecas se tornaram pererecas e passaram a ser consideradas “perseguidas”, um exercício de ilusão para negar a realidade dos novos tempos: o mundo havia descoberto seu lado gay, os armários foram abertos e não cessava o fluxo de gente saindo deles.

Os homens passaram a ser produto escasso na nova era “politicamente correta”, os sexos proliferaram, dos antigos dois transformaram-se em quatro, ou mais.

Os novos ricos passaram a determinar a cara das áreas urbanas.

Iniciava a era dos paradoxos, edifícios e casas com aspecto e formato de prédios históricos foram construídos aos milhares empregando tecnologia de última geração.

Os indícios da criação de uma nova cultura tropical, detectada nos anos 60, estavam mortos e enterrados, restavam apenas os ossos.

O novo Brasil escutava música sertaneja, construía prédios que eram caricaturas, passava a maior parte de seu tempo livre assistindo programas de baixa qualidade na televisão e acompanhava a escalada da violência e das drogas.

Tornou-se um país urbano, mais de 80% dos habitantes moravam nas cidades.

A década de 90 terminou com fogos de artifício que anunciavam o novo milênio; os simsenhores começaram a contagem regressiva para sua saída de cena.


Os primeiros anos do novo século, que no futuro talvez sejam lembrados como a década de 10, evidenciam os sintomas da falta de regras novas para substituir aquelas que destruímos.

Em New York um bando de loucos arrasou as torres que eram um dos símbolos da era moderna.

A especulação tornou-se mais atraente que o trabalho, gente que poderia estar envolvida na produção passava os dias atenta a flutuação das bolsas de valores, oitenta anos depois do crash de 1929 conseguiram quebrar a economia mundial outra uma vez, não deveriam ter gazeteado nos dias das aulas de história.

Num planeta com excesso de produção de alimentos, 1/6 da população tem fome.

A devastação causada pelo consumismo desequilibrou o clima do planeta, temos chuva nos países árabes, tornados na Europa e seca na Amazônia.

Os simsenhores, bundões que adotaram o comportamento “politicamente correto”, entregaram o poder a políticos incorretos que destruíram a confiança nas instituições e agem apenas em defesa dos próprios interesses, são a antítese da democracia.

As grandes cidades se tornaram ingovernáveis, as pressões e o jogo de interesses inviabilizaram o planejamento, leis que tentam estabelecer regras para o uso do solo são criadas à noite e destruídas pela corrupção na manhã seguinte.

A nova era revelou-se um aquário virtual.

Os telefones celulares levaram as pessoas a descobrir uma necessidade de comunicação desconhecida para as gerações anteriores, todos querem estar “on line”, discutir assuntos irrelevantes mesmo nas ocasiões mais significativas.

Batismos, casamentos e velórios são interrompidos pelo som incômodo das chamadas dos aparelhos, o circo saiu de cena, o povo quer “pão e comunicação”.

A privacidade foi para o espaço, a transa com a namorada nova, gravada por uma micro-câmera, escondida no olho do ursinho da cômoda, vai para o pornotube no dia seguinte, a platéia aplaude e se masturba, uma coisa de cada vez.

Os novos ricos deixaram de ser novos, passaram a ser apenas ricos, tornaram-se uma casta, os ex-pobres que cobrem de feiura a paisagem das cidades.

O chamado comportamento “politicamente correto” eliminou a criatividade que se tornou incorreta, as releituras e as cópias tornaram-se a regra,

Ninguém assume o risco de propor algo novo, o medo das críticas engessou as tentativas de lançar idéias e conceitos.

O país da delicadeza da bossa-nova, da irreverência do futebol de Garrincha e da malícia dos textos de Jorge Amado, tornou-se um país tosco, sua trilha sonora é constituída por musica sertaneja e pagode, transformou os estádios de futebol em cenários de violência e restringe suas leituras às notícias publicadas nos tablóides.

A mediocridade alastrou-se, a falta de novas opções trouxe de volta à luz dos holofotes pessoas que imaginávamos definitivamente enterradas nas páginas de revistas e documentários que retratam os acontecimentos de 50 anos atrás.

O Pink Floyd, os Stones, Paul McCartney e vários outros astros da música dos anos 60 e 70 lotam estádios em suas apresentações.

O passado é o grande hit da atualidade, os simsenhores pagam qualquer preço para assistir aos artistas que compuseram a trilha sonora da época em que ainda eram nãosenhores.

Um bando de bundões nostálgicos.


Os baby-boomers, que há muito tempo deixaram de ser babies e boomers não passaram na prova dos cinqüenta anos.

As esperanças depositadas neles pelos pais, a geração dos que assistiram ou sobreviveram à segunda guerra mundial, foram frustradas.

Os caras que demoliram os conceitos das gerações anteriores não resistiram à prova da realidade, foram atropelados pelo cotidiano e pela história.

Tornaram-se especialistas em dizer “sim”, baixar a cabeça para qualquer um com jeito de poderoso e as calças para aqueles que eventualmente possam assegurar privilégios mínimos para suas existências pouco importantes.

Nos últimos anos passaram a ser freqüentadores de velórios e enterros, dos pais, tios, padrinhos e amigos.

Deixaram de ser os segundões, agora são os próximos na reta de partida para o desconhecido.

Os filhos, a Geraxão X, que deveria ser motivo de orgulho e confirmação dos eventuais acertos de sua vida reiterou seu fracasso: quem não soube viver a altura das expectativas também não soube educar.

Os baby-boomers falharam duas vezes, na construção do passado e do futuro.

Sobrou apenas o medo e o sexo.

O século XXI trouxe novas esperanças para aqueles que imaginavam estar condenados.

Aos 48 minutos e 59 segundos da prorrogação o jogo passou a ter novas regras.

As “carninhas” foram redimidas pelo Viagra.

Homens que mal lembravam suas aventuras sexuais voltaram a freqüentar os “conventos”, pagam preço duplo: um para a química, outro para a falsa tesão de quem vende o corpo para agradar velhos barrigudos que ignoram o que contam os espelhos.

Pintam os cabelos (os que sobraram) com estranhos tons de cajú e castanho, são a primeira geração que dispensa cartunistas, compõe a própria caricatura.

As mulheres foram agraciadas com a reposição hormonal e a cirurgia plástica.

Bundas, peitos, e pernas são preenchidas com borracha, é o vale-tudo contra a lei da gravidade.

Para elas a hora da verdade ocorre por ocasião dos exames de Papanicolau e a mamografia.

Para eles o medo é catalisado na visita anual ao urologista.

Os simsenhores, deitados na maca, vestidos apenas com um traje ridículo que deixa as bundas expostas, esperam pelo “momento trágico”.

Antigamente seriam atendidos por um especialista com mãos delicadas e dedos finos.

No século XXI as coisas mudaram.

O urologista que vai fazer o exame tem dois metros de altura, bíceps largos e cada dedo de suas mãos tem a forma e as dimensões de uma “bockwurst”.

O baby-boomer assiste aterrorizado ao momento que o médico veste as luvas de látex que parecem prestes a romper devido ao conteúdo dos dedos imensos.

O médico num súbito acesso de delicadeza pisca o olho e diz para a patética criatura deitada na maca :

- Se segura meu!

Ele, numa reação automática, um hábito adquirido nas últimas décadas, apenas diz:

- SIM SENHOR !!!!!!!!!!!!!!!!

1 Comentários:

Blogger Pimenta disse...

Rapaz,gostei,sim senhor,rsrsrsrrs.
bjo!
Depois dessa, ganhou uma fã!
bjo

22 de maio de 2010 às 02:19  

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