sábado, 24 de janeiro de 2009

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Os simsenhores

Aos 59 anos olho meus contemporâneos e me pergunto: Quando nos tornamos um bando de bundões politicamente corretos?


No princípio éramos apenas os simmamãe.

Nos anos 50, uma época que nossos pais consideravam “os anos dourados”, aprendemos a falar e caminhar. Transitamos das fraldas para o vaso sanitário e descobrimos que meninos e meninas tinham pipis com formatos diferentes.

Recentemente passei por uma senhora que passeava com o neto, ela não me reconheceu. Lembrei quando aos 6, talvez 7anos, ela me permitiu olhar seu pipi de perto (BEM PERTO!), eu era o doutor e ela a paciente. Não consideramos a experiência emocionante.

Naquela idade existiam coisas mais atraentes: bicicletas, festas de aniversário e álbuns de figurinhas.

Os pipis ficavam entre o meio e o fim da lista de assuntos e objetos interessantes.

Naquela década, os anos sem pentelhos, convivemos, sem perceber, com as primeiras mudanças de regras e comportamento.

Enquanto em primeiro plano escutávamos o som do “Parabéns a você”, do choque das bolas de gude, da madeira queimando nas fogueiras de São João, ao fundo ocorria uma guerrilha acústica; caras como Chuck Berry, Elvis Presley e Pat Boone davam um “chega pra lá” nas grandes orquestras e nos cantores com vozeirões.

Nem percebemos o Sputinik, as viagens transatlânticas nos novos aviões a jato e as primeiras gravações de João Gilberto.


Nos anos 60 passamos a ser os nãosenhores.

Os pipis passaram do fim para o topo da lista de assuntos interessantes, agora individualizados por sexo e com as mais estranhas denominações. Havíamos entrado na idade dos pentelhos, das picas e das xexecas.

Nesta década o pessoal da nossa geração, com caras espinhentas e cabelos compridos, contestava tudo impulsionado pela força dos hormônios.

Amávamos os Beatles, os Stones e uma penca de conjuntinhos de rock que se perderam na poeira.

As mulheres mais velhas rasgavam soutiens, as mais novas usavam minisaias.

Depois de um longo período em que “rapazes de boa origem não abusavam de meninas de família”, graças aos anticoncepcionais todos passaram a comer todas e vice-versa.

Quebramos regras e derrubamos tabus.

Na América Latina os governos democráticos foram substituídos por ditaduras militares, os Estados Unidos iniciaram a caminhada para a derrota no Vietnam e em Paris estudantes protagonizaram uma revolta que não deu em nada mas derrubou outros mitos.

Enquanto fora do Brasil o rock e o pop ditavam as regras, por aqui a bossa-nova, o cinema novo e a capital nova indicavam que o país estava envolvido no processo de criação de uma cultura tropical diferente de tudo que ocorria no hemisfério norte.

Lá fora a Pop e a Op Art abriram novas perspectivas.

A arquitetura e o design passaram a ser assunto nos meios de comunicação, tiveram seus 15 minutos (dias /anos?) como profetizou Andy Warhol.

Timothy Leary acrescentou novas dimensões aos sonhos, por algum tempo as estrelas no céu pareceram diamantes.

Dois eventos marcaram o final dos anos 60 para nossa geração, o vestibular e o Festival de Woodstock.

Naquele lugar, próximo de New York, foi anunciado o fim da década, das regras vigentes, dos costumes da geração anterior e o início do que supostamente viria a ser a “Era de Aquário”.

A guitarra de Jimi Hendrix criou uma nova versão do hino nacional americano, fechou a cortina dos anos sessenta e insinuou o que seriam os próximos tempos.

Ele não ficou para conferir.


Começamos os anos 70 sendo nãosenhores com maior intensidade.

Os que não puderam ou não conseguiram entrar nas universidades foram buscar seu lugar no mundo.

Um grupo reduzido entrou nas faculdades e iniciou seu período de contestações supondo que estavam sendo originais, como todas as gerações de estudantes universitários que os antecederam.

Na América Latina os regimes militares endureceram, contemporâneos nossos que ousaram contestar as autoridades foram torturados e jogados ao mar de aviões a grande altitude.

Os nãosenhores passaram a ser cuidadosos, deixaram de lado as manifestações públicas e passaram a contestar o regime em ambientes fechados, supostamente protegidos contra o autoritarismo dos governantes.

O tom deixou de ser o grito e passou a ser o sussurro.

O Brasil foi tricampeão de futebol e protagonizou o “milagre econômico”, encerrado ao final da década pelos membros da OPEP.

Deus deixou de ser brasileiro e passou a usar turbante.

O pessoal que saiu das universidades naquele tempo foi recebido de braços abertos pelo mercado, havia trabalho para todos.

Nos anos setenta bebemos, fumamos e muitos cheiraram várias coisas curtindo o som psicodélico do Pink Floyd.

John Lennon e Paul McCartney não dividiam mais o mesmo endereço em Abbey Road.

Mick Jagger tornou-se pai de família.

Os Easy Riders sumiram.

Contrariando as expectativas, pois pensava-mos que o amor livre e as amizades coloridas iriam substituir as relações convencionais, a maioria casou e teve filhos.

Tornou-se rotina encontrar ex-cabeludos e revolucionários, de terno e gravata a caminho de empregos onde batiam ponto.

A imagem contestadora de uma geração que havia promovido mudanças no comportamento e no relacionamento começou a apresentar as primeiras rachaduras.

As prestações da casa, do carro e da televisão a cores colocaram em segundo plano os ideais e sonhos dos baby-boomers, termo que passou a ser comum para designar as pessoas da nossa geração.

Ao final dos anos 70 os poucos nãosenhores ainda existentes eram olhados com desconfiança por aqueles com quem poucos anos antes andavam lado a lado.


Os anos 80 transformaram os nãosenhores em algo indefinido, os quasesimsenhores.

Os ex-contestadores passaram a lutar pela sobrevivência em um mercado de trabalho cujos altos e baixos assemelhavam-se a uma montanha russa.

O fim do regime militar e o início da chamada “nova democracia” trouxeram para o Brasil o caos econômico e a filosofia do “salve-se quem puder”.

Os poucos privilegiados que ficaram à margem desta insanidade coletiva foram os funcionários públicos, cujos direitos e estabilidade asseguravam um total descompasso em relação ao que ocorreu na iniciativa privada.

O sexo mudou, saiu de cena a terminologia rasteira e entrou o reino animal, as picas tornaram-se pintos, as xexecas assumiram sua porção perereca.

Gente que antes trepava em qualquer lugar e em qualquer posição, passou a “bimbar”, termo que não agredia os delicados ouvidos das crianças.

O dinheiro trocou de mãos, saíram de cena os abonados tradicionais; a economia dos novos tempos deu origem aos novos-ricos, eles passaram a ser a cara da era do vale-tudo.

Antigos contestadores entraram para a política, estiveram entre aqueles que escreveram a constituição de 88.

Ela deveria assegurar as liberdades individuais mas tornou-se o instrumento que passou a assegurar a impunidade de alguns dos piores bandidos da história recente do país.

Os quasesimsenhores assumiram sua porção “politicamente correta” bem antes do termo tornar-se trivial, a hipocrisia assumiu seu lugar no cotidiano.

O downsizing e a reengenharia destruíram as ilusões e as perspectivas de muita gente.

John Lennon acertou: o sonho havia acabado.

Ao final dos anos 80 a onda de criatividade que caracterizou as três décadas anteriores perdeu a energia, era o início do tempo das cópias, das imitações e do mau gosto.


Os anos 90 assistiram a metamorfose final : os mornos quasesimsenhores, caricaturas dos antigos nãosenhores tornaram-se os tristes simsenhores.

A geração que quebrou regras, derrubou tabus e destruiu mitos percebeu espantada que havia esquecido algo importante: aqueles que destroem um conjunto de regras deveriam estabelecer os novos parâmetros.

Fomos excelentes no quebra-quebra e um fracasso no que toca à reconstrução.

Um contemporâneo nosso foi eleito para a presidência da república escapou do impeachment graças à renúncia, saiu de cena como símbolo da corrupção.

As cidades incharam, degradaram, tornaram-se inseguras e passamos a viver cercados por grades e sofisticados esquemas de segurança.

O cão foi substituído pela cerca eletrificada, o televisor tornou-se o melhor amigo do homem.

Os contestadores de trinta anos antes passaram a dizer sim a todos que eventualmente pudessem assegurar a manutenção de seu status: sim para a mulher, o patrão, os membros do sindicato, os políticos, e até para o síndico do condomínio.

Sim, sim, sim.

Nos homens as barrigas cresceram, os cabelos começaram a sumir, e a luta pela sobrevivência passou a ser violenta.

Para cada baby-boomer agarrado a seu emprego existiam vários filhos de outros baby-boomers dispostos a tudo para ocupar seu lugar.

Nas mulheres começaram a surgir as marcas da derrota para os hormônios e a gravidade.

Os peitos e bundas, antes objeto de desejos masculinos, agora eram mantidos graças a incontáveis regimes, horas de malhação e dietas malucas.

As gatinhas dos anos 70 estavam em plena meia-idade na luta contra os efeitos do tempo, um jogo de cartas marcadas do qual inevitavelmente sairiam perdedoras.

Os antigos pipis que foram elevados a categoria de picas e posteriormente aceitaram sua humilde condição de pintos estavam em vias de tornar-se “carninhas” escondidas pelas abas das barrigas.

As xexecas se tornaram pererecas e passaram a ser consideradas “perseguidas”, um exercício de ilusão para negar a realidade dos novos tempos: o mundo havia descoberto seu lado gay, os armários foram abertos e não cessava o fluxo de gente saindo deles.

Os homens passaram a ser produto escasso na nova era “politicamente correta”, os sexos proliferaram, dos antigos dois transformaram-se em quatro, ou mais.

Os novos ricos passaram a determinar a cara das áreas urbanas.

Iniciava a era dos paradoxos, edifícios e casas com aspecto e formato de prédios históricos foram construídos aos milhares empregando tecnologia de última geração.

Os indícios da criação de uma nova cultura tropical, detectada nos anos 60, estavam mortos e enterrados, restavam apenas os ossos.

O novo Brasil escutava música sertaneja, construía prédios que eram caricaturas, passava a maior parte de seu tempo livre assistindo programas de baixa qualidade na televisão e acompanhava a escalada da violência e das drogas.

Tornou-se um país urbano, mais de 80% dos habitantes moravam nas cidades.

A década de 90 terminou com fogos de artifício que anunciavam o novo milênio; os simsenhores começaram a contagem regressiva para sua saída de cena.


Os primeiros anos do novo século, que no futuro talvez sejam lembrados como a década de 10, evidenciam os sintomas da falta de regras novas para substituir aquelas que destruímos.

Em New York um bando de loucos arrasou as torres que eram um dos símbolos da era moderna.

A especulação tornou-se mais atraente que o trabalho, gente que poderia estar envolvida na produção passava os dias atenta a flutuação das bolsas de valores, oitenta anos depois do crash de 1929 conseguiram quebrar a economia mundial outra uma vez, não deveriam ter gazeteado nos dias das aulas de história.

Num planeta com excesso de produção de alimentos, 1/6 da população tem fome.

A devastação causada pelo consumismo desequilibrou o clima do planeta, temos chuva nos países árabes, tornados na Europa e seca na Amazônia.

Os simsenhores, bundões que adotaram o comportamento “politicamente correto”, entregaram o poder a políticos incorretos que destruíram a confiança nas instituições e agem apenas em defesa dos próprios interesses, são a antítese da democracia.

As grandes cidades se tornaram ingovernáveis, as pressões e o jogo de interesses inviabilizaram o planejamento, leis que tentam estabelecer regras para o uso do solo são criadas à noite e destruídas pela corrupção na manhã seguinte.

A nova era revelou-se um aquário virtual.

Os telefones celulares levaram as pessoas a descobrir uma necessidade de comunicação desconhecida para as gerações anteriores, todos querem estar “on line”, discutir assuntos irrelevantes mesmo nas ocasiões mais significativas.

Batismos, casamentos e velórios são interrompidos pelo som incômodo das chamadas dos aparelhos, o circo saiu de cena, o povo quer “pão e comunicação”.

A privacidade foi para o espaço, a transa com a namorada nova, gravada por uma micro-câmera, escondida no olho do ursinho da cômoda, vai para o pornotube no dia seguinte, a platéia aplaude e se masturba, uma coisa de cada vez.

Os novos ricos deixaram de ser novos, passaram a ser apenas ricos, tornaram-se uma casta, os ex-pobres que cobrem de feiura a paisagem das cidades.

O chamado comportamento “politicamente correto” eliminou a criatividade que se tornou incorreta, as releituras e as cópias tornaram-se a regra,

Ninguém assume o risco de propor algo novo, o medo das críticas engessou as tentativas de lançar idéias e conceitos.

O país da delicadeza da bossa-nova, da irreverência do futebol de Garrincha e da malícia dos textos de Jorge Amado, tornou-se um país tosco, sua trilha sonora é constituída por musica sertaneja e pagode, transformou os estádios de futebol em cenários de violência e restringe suas leituras às notícias publicadas nos tablóides.

A mediocridade alastrou-se, a falta de novas opções trouxe de volta à luz dos holofotes pessoas que imaginávamos definitivamente enterradas nas páginas de revistas e documentários que retratam os acontecimentos de 50 anos atrás.

O Pink Floyd, os Stones, Paul McCartney e vários outros astros da música dos anos 60 e 70 lotam estádios em suas apresentações.

O passado é o grande hit da atualidade, os simsenhores pagam qualquer preço para assistir aos artistas que compuseram a trilha sonora da época em que ainda eram nãosenhores.

Um bando de bundões nostálgicos.


Os baby-boomers, que há muito tempo deixaram de ser babies e boomers não passaram na prova dos cinqüenta anos.

As esperanças depositadas neles pelos pais, a geração dos que assistiram ou sobreviveram à segunda guerra mundial, foram frustradas.

Os caras que demoliram os conceitos das gerações anteriores não resistiram à prova da realidade, foram atropelados pelo cotidiano e pela história.

Tornaram-se especialistas em dizer “sim”, baixar a cabeça para qualquer um com jeito de poderoso e as calças para aqueles que eventualmente possam assegurar privilégios mínimos para suas existências pouco importantes.

Nos últimos anos passaram a ser freqüentadores de velórios e enterros, dos pais, tios, padrinhos e amigos.

Deixaram de ser os segundões, agora são os próximos na reta de partida para o desconhecido.

Os filhos, a Geraxão X, que deveria ser motivo de orgulho e confirmação dos eventuais acertos de sua vida reiterou seu fracasso: quem não soube viver a altura das expectativas também não soube educar.

Os baby-boomers falharam duas vezes, na construção do passado e do futuro.

Sobrou apenas o medo e o sexo.

O século XXI trouxe novas esperanças para aqueles que imaginavam estar condenados.

Aos 48 minutos e 59 segundos da prorrogação o jogo passou a ter novas regras.

As “carninhas” foram redimidas pelo Viagra.

Homens que mal lembravam suas aventuras sexuais voltaram a freqüentar os “conventos”, pagam preço duplo: um para a química, outro para a falsa tesão de quem vende o corpo para agradar velhos barrigudos que ignoram o que contam os espelhos.

Pintam os cabelos (os que sobraram) com estranhos tons de cajú e castanho, são a primeira geração que dispensa cartunistas, compõe a própria caricatura.

As mulheres foram agraciadas com a reposição hormonal e a cirurgia plástica.

Bundas, peitos, e pernas são preenchidas com borracha, é o vale-tudo contra a lei da gravidade.

Para elas a hora da verdade ocorre por ocasião dos exames de Papanicolau e a mamografia.

Para eles o medo é catalisado na visita anual ao urologista.

Os simsenhores, deitados na maca, vestidos apenas com um traje ridículo que deixa as bundas expostas, esperam pelo “momento trágico”.

Antigamente seriam atendidos por um especialista com mãos delicadas e dedos finos.

No século XXI as coisas mudaram.

O urologista que vai fazer o exame tem dois metros de altura, bíceps largos e cada dedo de suas mãos tem a forma e as dimensões de uma “bockwurst”.

O baby-boomer assiste aterrorizado ao momento que o médico veste as luvas de látex que parecem prestes a romper devido ao conteúdo dos dedos imensos.

O médico num súbito acesso de delicadeza pisca o olho e diz para a patética criatura deitada na maca :

- Se segura meu!

Ele, numa reação automática, um hábito adquirido nas últimas décadas, apenas diz:

- SIM SENHOR !!!!!!!!!!!!!!!!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

30/3/2008

Um pingo de história

O Corrupcionário é um blog cuja finalidade é auxiliar na compreensão dos fatores que estão contribuindo para a deterioração da qualidade de vida em Florianópolis, considerada por muitos um endereço turístico de qualidade e eventual destino para migrantes oriundos dos grandes centros urbanos do Brasil, que buscam a oportunidade de viver em uma cidade que supostamente oferece baixos índices de criminalidade, oportunidades profissionais e a possibilidade de uma vida tranqüila a poucos minutos de distância do mar.

A realidade insiste em contar outra história.

A capital de Santa Catarina encontra-se no limite da suportabilidade, seus habitantes enfrentam diariamente congestionamentos de tráfego, violência urbana e todos os problemas percebidos hoje nas principais cidades brasileiras.

Dentre os fatores que contribuem para esta situação dois devem ser destacados: o colapso do planejamento urbano e a corrupção.

Em Florianópolis, tal como ocorre nas demais grandes e médias cidades brasileiras a corrupção é o principal fator que determina a ineficácia do planejamento urbano.

Esta situação, na qual interesses privados se sobrepõe ao interesse coletivo está diretamente relacionada às políticas de uso do solo, ou a falta delas, e evidencia a interferência dos interesses da industria da construção civil e dos especuladores imobiliários.

Para uma melhor compreensão do quanto a corrupção interfere na qualidade de vida dos habitantes das cidades brasileiras é preciso entender as transformações que ocorreram no país ao longo do último século.

Em 1900, 25% da população brasileira morava nas cidades e 75% vivia nas áreas rurais. Em 2008, segundo estatísticas oficiais, 82% vive nas cidades e 18% nas áreas rurais.

Dos 82% da população brasileira que vive nas cidades dois terços encontram-se numa faixa de 300 km ao longo da costa do país.

Os problemas comuns às principais cidades brasileiras decorrem de dois fatos políticos registrados ao longo do século XX. Em ambos os casos, aparentemente tratava-se de momentos em que o país daria passos rumo à modernidade, o tempo encarregou-se de provar o contrário.

Momento 1: 21 de abril de 1960.

Nesta data ocorreu a inauguração de Brasília, após 4 anos de obras o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira transferiu a capital do país para o planalto central e deu início ao processo de interiorização do desenvolvimento no Brasil.

As inúmeras conseqüências positivas deste ato de coragem política são indiscutíveis.

Criou-se uma rede de estradas que viabilizou a expansão das fronteiras agrícolas e consolidou o Brasil como grande exportador de produtos agropecuários.

Foi estimulada a implantação de novas cidades e o desenvolvimento daquelas que já existiam porém, encontravam-se isoladas do restante do país devido à falta de corredores físicos de comunicação.

Associou ao Brasil, em termos internacionais, um momento de liderança no campo da arquitetura e do urbanismo ao implantar efetivamente uma série de conceitos nunca antes aplicados.

As conseqüências negativas também são indiscutíveis.

O cronograma de obras (cinqüenta anos em cinco), implicou em desafios nunca antes verificados na história do país o que propiciou o surgimento de um conjunto de empresas, as “grandes empreiteiras”, que detém poderes consideráveis, perceptíveis até os dias atuais.

As “empreiteiras” interferem na vida da maioria dos brasileiros. Apesar de sua denominação, trata-se de imensas empresas de construção civil responsáveis pela maior parte das obras de grande porte no país. Elas constroem, estradas, aeroportos, prédios públicos, ruas e avenidas.

Trata-se de um pequeno grupo de empresas construtoras, cujo faturamento e alcance supera o somatório das demais empresas de construção civil em atividade no Brasil.

É um monstro cuja origem encontra-se na construção de Brasília. A maioria delas surgiram e foram consolidadas durante as obras de construção da nova capital do país.

O poder destas grandes empresas de construção civil influi na composição do Orçamento Geral da União (OGU), nas decisões tomadas pelos ministérios e nas votações do Congresso Nacional.

Inúmeras reportagens veiculadas por órgãos de comunicação de alcance nacional demonstraram que diversos ex-Presidentes da República, foram sustentados até o final de suas vidas por recursos disponibilizados por estas empresas.

Tais informações jamais foram contestadas.

A data de inauguração de Brasília corresponde ao surgimento do “poder paralelo” exercido por estas grandes empresas da construção civil cuja influência pode ser percebida pela maioria dos habitantes das áreas urbanas do país.

Momento 2: 5 de outubro de 1988.

Nesta data foi promulgada a nova constituição em vigor no Brasil.

Este documento, que deveria ser o passaporte do país para um mundo globalizado, no qual a prevalece a competitividade, revelou-se um monumento ao revanchismo.

A chamada “Assembléia Constituinte”, composta por uma maioria de políticos de esquerda, definiu um documento que, supostamente, deveria desestimular, através de dispositivos legais, a possibilidade de surgimento de outra “ditadura” com poderes para inibir as atividades políticas de quaisquer grupos ideológicos com opinião contrária àquela dos governantes.

A idéia que deu origem a este conjunto de medidas determinadas pela constituição parece, à primeira vista, um manifesto de bom senso, o dia a dia provou o contrário.

Aquele que deveria ser um documento que consolidava a liberdade de opinião e orientação política, o bastião de defesa das “liberdades individuais” revelou-se, ao longo dos anos, um instrumento que engessou o poder judiciário.

Em nome das “liberdades individuais” institui-se a “ditadura das liminares”, dos protelamentos jurídicos e da impunidade.

Os brasileiros tem acompanhado através dos meios de comunicação inúmeros atos do Ministério Público e da Polícia Federal em que pessoas são presas por atos contra os interesses do país e da comunidade e, pouco tempo depois, são postos em liberdade graças a dispositivos assegurados pela constituição em vigor no pais.

Tornamo-nos o país da impunidade. No Brasil o crime compensa e a liberdade dos criminosos é assegurada por dispositivos constitucionais.

Os cidadãos das grandes e médias cidades brasileiras quando estiverem presos em engarrafamentos, sob a mira de armas de criminosos, indignados com a ocupação de áreas de preservação permanente, escandalizados por obras ilegais realizadas por empresas da construção civil e angustiados com o futuro, devem lembrar destas duas data, 21 de abril de 1960 e 5 de outubro de 1988, e avaliar os acontecimentos nelas ocorridos e o quanto influenciaram, ou prejudicaram, a sua qualidade de vida.

29/3/2008

Civilidade

Quando o Rio deixou de ser uma “Cidade Maravilhosa”?

Quando São Paulo deixou de ser “Quatrocentão” e “da garoa”?

Quando Florianópolis deixou de ser a “Terra de sol e mar”?

As denominações simpáticas, que costumavam ser associadas automaticamente a estas cidades, perderam o sentido.

A violência urbana, engarrafamentos, favelização e outros “danos colaterais” gerados pelo que supostamente seria progresso e/ou desenvolvimento, eliminaram os adjetivos afetuosos vinculados às cidades substituindo-os por um rosário de reclamações contra os aqueles que estão nocauteando a qualidade de vida.

Existem inúmeros fatores que contribuem para a deterioração da infra-estrutura do país e das suas grandes e médias cidades, a construção civil tem uma parcela considerável de culpa por esta situação.

Em Florianópolis diversos bairros apresentam as cicatrizes deixadas pela passagem predatória das empresas da construção civil, materializadas por projetos de arquitetos e engenheiros que ignoraram princípios éticos, por políticos, que “generosamente” criaram alterações de zoneamento que permitiram estas aberrações, legitimadas por funcionários do município cujos interesses pessoais foram colocados à frente dos interesses da cidade e de seus moradores.

Áreas antes agradáveis tornaram-se objeto da ganância, combustível que alimenta a corrida imobiliária.

No entanto, a história baseia-se em fatos e provas materiais, elas estão aí para que todos possam compreender a extensão dos danos causados pela ocupação indiscriminada do solo.

Bairros como João Paulo (Saco Grande), Itacorubí, Ingleses e Campeche são testemunhas (e provas) dos danos infligidos pela construção civil e seus servos.

Regiões sem infra-estrutura, com sistema viário inadequado e deficiências no abastecimento dos serviços urbanos básicos foram ocupados como se fossem dotados de amplas ruas e avenidas, sistema de abastecimento de água, coleta de esgoto, rede elétrica e telefônica semelhantes aquelas existentes em áreas planejadas e executadas conforme os dispositivos legais.

A corrupção e a falta de ética são constantes na história da humanidade porém, para chegar ao ponto da permissividade verificada em Florianópolis tornou-se necessário um fator: a passividade da população.

Nenhum destes danos teria ocorrido caso o povo da cidade manifestasse sua contrariedade antes dos eventos, não foi o que ocorreu.

A população manifestou-se apenas quando os estragos já haviam ocorrido.

O histórico da perda de qualidade de vida em Florianópolis é um fenômeno recente, coisa de 20 anos.

Porque ignoramos o que estava sendo feito frente aos nossos olhos?

Porque não interferimos quando isto ainda era possível?

Porque insistimos em não aprender as lições da história?

As respostas a estas perguntas, caso tenhamos a coragem de enfrenta-las, traçam um retrato pouco elogioso de todos nós que supomos ser cidadãos.

Bobagem, tudo isto ocorreu pois o primeiro princípio que abandonamos foi a civilidade.

Deu no que deu.

12/3/2008

O que houve conosco?

Em 2002 uma editora de Florianópolis publicou um livro cujo título era “Pêssego Gay – Architectusaurus Erectus”, escrito por Nestor Pinto Madeira e o autor deste blog.

De lá para cá tenho escutado e lido repetidamente uma pergunta: “Com tanto assunto, o que leva um arquiteto a escrever sobre corrupção?”

Invariavelmente respondo: “Ética: pessoal e profissional”.

Tenho plena consciência dos riscos envolvidos em abordar um tema tão difícil.

A construção civil em geral e a arquitetura em particular, minhas áreas de atuação, sofreram um processo de corrompimento que a minha geração, aqueles nascidos nos anos 50 e 60, jamais poderiam supor que viesse a ocorrer.

É preciso deixar claro que os meus contemporâneos ficam especialmente escandalizados com o país de hoje pois, ao contrário daqueles que nasceram após 1980, conhecemos:

- Um Brasil com ótimas estradas e uma razoável rede ferroviária.

- Um Brasil no qual, sem distinção de classe, utilizávamos a rede de saúde pública que era muito boa.

- Um Brasil no qual gente corrupta desaparecia de circulação pois tornava-se “mal falada”.

- Um Brasil no qual o governo funcionava razoavelmente e as instituições impunham respeito.

- Um Brasil no qual as escolas públicas eram referência de qualidade.

- Um Brasil no qual o termo “político” não era sinônimo de “escória”.

- Um Brasil no qual futuro era associado a sinais de exclamação, não interrogação.

Provavelmente você deve estar pensando: “Pronto, é outro daqueles saudosistas chatos, um ex-garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones, logo vai estar publicando fotos antigas da cidade e comentando sobre a coleção de figurinhas dos jogadores da seleção de 1970."

Nada disto, dispenso as fotos e as figurinha. Por outro lado, fico com as músicas.

Faço parte de um grupo no qual os membros supunham ser revolucionários. Ajudamos a quebrar alguns tabus:

- Desmistificamos a virgindade e decretamos o amor livre.

- Apoiamos a revolução do ensino e o abandono dos velhos métodos didáticos.

- Execramos os militares e fomos às ruas exigir eleições diretas.

- Ridicularizamos Pelé quando disse que não sabíamos votar.

- Elegemos dois fanfarrões: um do topo e outro da base da pirâmide social.

- Nos encantamos com a nova televisão e nos tornamos escravos dela.

- Trocamos os jornalões pelos tablóides.

- Fumamos e cheiramos todas.

- Criamos slogans e passamos a acreditar neles.

- Abolimos as velhas regras.

Deu no que deu.

Esquecemos um princípio fundamental: quem quebra velhas regras tem por obrigação estabelecer as novas.

No entanto, o pior de todos nossos defeitos veio à tona nos últimos anos : aprendemos a conviver com a corrupção, a tolera-la, fazer de conta que não vemos.

A minha geração, que um dia imaginou ser revolucionária, revelou-se um grupo lamentável de gente covarde, protagonistas de algumas páginas em branco nos livros de história do futuro.

Ainda não entendemos bem a extensão do mal que nossa apatia e falta de tutano causou a este país.

O que houve conosco?

Como deixamos as coisas chegar a este ponto?

29/2/2008

Um problema nacional

O prefeito Dário Berger submeteu à Câmara de Veradores um conjunto de medidas polêmicas cuja aprovação, entre outras conseqüências, supostamente regularizaria as atividades comerciais que hoje funcionam sob o regime conhecido como “Ex-Ofício”.

No mesmo “pacote” foi incluída uma proposta no sentido de não liberar novos alvarás de construção na área conhecida como “Bacia do Itacorubi”; ela atualmente está sendo ocupada por um grande volume de obras de grande porte para as quais não existe infra-estrutura de serviços (água, esgoto, luz, telefone e sistema viário).

A existência de um regime de exceção (os alvarás “Ex-Ofício” deveriam ser exceções não a regra) bem como ocupação desordenada de áreas da cidade que não estão prontas para receber em curto prazo um volume de construções não previsto no Plano Diretor, são apenas duas conseqüências, dentre tantas outra, do processo de corrompimento de setores da administração municipal de Florianópolis.

A matéria reproduzida abaixo, publicada pela Folha de São Paulo, demonstra tratar-se de um problema de âmbito nacional que atinge as capitais bem como as grandes e médias cidades brasileiras.

A diferença entre cidades como São Paulo e Florianópolis reside no grau de conhecimento que a população tem da corrupção.

Enquanto em Florianópolis a imprensa raramente aborda as questões relativas aos problemas éticos da administração municipal e/ou estadual, visto que os órgãos de comunicação com maior penetração fazem parte de um quase-monopólio, os meios de comunicação em São Paulo vivem sob o regime da concorrência.

A diferença é palpável.

Por outro lado, independente do grau de conhecimento que a população das cidades tem sobre o funcionamento da máquina administrativa, cabe ao povo que nelas vive exigir postura ética e bom funcionamento das instituições.

Cada cidade é um pequeno universo, bastante semelhante ao universo vizinho que por vezes encontra-se a poucos quilômetros de distância. Assim como ocorre com as familias cada cidade precisa resolver seus própriosproblemas. Gente de fora não deveria “meter a colher”.

Vale para Florianópolis, vale para São Paulo.

Liberação de licenças reduz a corrupção, diz Andrea Matarazzo

Folha de São Paulo ; 29/2/2008

A liberação quase irrestrita de alvarás de funcionamento para o comércio da cidade pode ajudar a inibir a corrupção nas subprefeituras, admite a Prefeitura de São Paulo.

"No momento em que você fizer isso [liberar o alvará da empresa mesmo que o imóvel esteja ilegal], muito do comércio será regularizado. Reduz a corrupção na medida em que você reduz a informalidade", disse o secretário das Subprefeituras, Andrea Matarazzo.

O vereador Adolfo Quintas (PSDB), autor do projeto, também relata a preocupação com a corrupção. "A idéia é o pessoal se regularizar até para não dar margem para desvio de conduta [dos fiscais]. Não estou dizendo que estejam fazendo isso, mas você sabe o que já aconteceu nessa cidade", afirmou.

Para Quintas, é muito difícil regularizar os imóveis em São Paulo, "a cidade dos puxadinhos". "Em Cidade Tiradentes tem só seis imóveis regulares. Penha, São Miguel, Ermelino Matarazzo, a mesma coisa. Em outra cidade, você entra com a planta e em uma semana está regularizando. Aqui, leva anos."

Um exemplo da burocracia é o shopping Capital, na Mooca (zona leste): inaugurado em 2006, ainda não tem alvará.

"O empreendimento desde sempre diligenciou para resolver a situação, mas você tem um corpo de leis que é mastodôntico.", diz Adriano Augusto Fernandes Jr., diretor da Ilbec, responsável pelo shopping.

A Subprefeitura da Mooca informou que o shopping, embora tenha construído acima da metragem quadrada permitida para a região, já deu entrada no processo de regularização e tem prazo para solucionar.

"O shopping está se regularizando. Eles construíram a mais do que poderiam, mas é uma situação que é possível consertar", diz Rogério Lopes, chefe-de-gabinete da subprefeitura.

As lojas do shopping também sofrem com a dificuldade para regularizar a documentação. "Alvará? Aqui, ninguém tem. Como é que vou atrás se o próprio shopping não tem?", diz Sérgio Fokin, sócio de um café, aberto há quase dois anos.

Matarazzo acusa também parte dos empreendedores, que "muitas vezes, conta com a corrupção e com as anistias. Anistia não vai ter mais porque pune aquele que trabalha direito".

Comerciante reclama de exigências de alvará

Entre comerciantes da av. General Edgar Facó e adjacências, em Pirituba (zona norte de São Paulo), o comentário é que não há estabelecimento comercial com alvará nos arredores.

"Ninguém tem alvará por aqui. Dizem que os imóveis estão todos irregulares. Podia haver uma anistia", afirma Rogério Ramalho, 36, proprietário de uma revendedora de carros usados, ainda sem alvará.

Um escritório de contabilidade a poucos quarteirões dali, que costuma ser procurado por interessados em abrir uma empresa, vive o mesmo problema dos clientes: conseguir uma planta aprovada.

"Ainda não temos a planta aprovada. Faz um ano que estamos atrás. Tem que contratar engenheiro e pagar as taxas da prefeitura", diz Ronald Farias, 34, funcionário do escritório.

Proprietário de uma auto-elétrica nas redondezas, Agnaldo Francisco de Paula, 49, diz que já desistiu de conseguir o alvará de funcionamento de seu estabelecimento. "Pra tudo precisa de contador, advogado. É muito documento, muita burocracia. Já desisti. Vou trabalhando até algo acontecer", diz.
Ele reclama que as exigências hoje são exageradas. "Você precisa de dois banheiros para funcionar uma oficina mecânica? Por que não facilitam pra poder regularizar? Antes não exigiam isso. Estou mais preocupado porque o Kassab está exigindo mais", diz de Paula.

Próximo dali, o dono de um bar, que não quis se identificar, diz que um fiscal já esteve no local. "Fui ameaçado de ser lacrado por falta de alvará. Mas e pra providenciar? É só dificuldade, com prefeitura, com proprietário [do imóvel, alugado], com tudo", queixa-se.

20/1/2008

Os Bruxos e os Trouxas

Todos aqueles que por preconceito ou desinteresse deixaram de ler a série de livros que relatam as aventuras de Harry Potter perderam a oportunidade de conhecer a subdivisão das classes de pessoas estabelecida pela escritora J. K. Rowling.

No mundo ficcional criado por ela existem duas categorias de indivíduos: os bruxos, pessoas com capacidades especiais e poder de alterar o mundo, e os trouxas, todas as demais pessoas destituídas de tais habilidades.

Em Florianópolis, alcunhada “Ilha da Magia” pelos marqueteiros, o folclore inclui inúmeras lendas relativas a bruxas e bruxarias, o que os “trouxas” locais não percebem é que as verdadeiras bruxarias estão ocorrendo hoje, praticadas por bruxos eleitos, a última delas foi denominada moratória.

A desinformação e a falta de percepção da história recente da cidade levam as pessoas a acreditar que estão frente a um fato novo quando na verdade se trata apenas de um velho artifício, utilizado anteriormente, cujo resultado sempre foi o enriquecimento de políticos e burocratas corruptos.

Para entender melhor estas artimanhas bruxólicas vale recordar três eventos da história recente da cidade:

1 – O Plano Diretor de 1997.

A prefeita Angela Amin submeteu à Câmara de Vereadores um novo Plano Diretor para substituir aquele que estava em vigor desde 1976 e fora aprovado na primeira gestão de seu marido, Espiridião Amin, como prefeito de Florianópolis.

Durante os trâmites do texto na Câmara foram propostas pelos vereadores cerca de 300 alterações, a maioria de interesse da indústria da construção civil e dos grandes proprietários de imóveis.

Nenhuma delas foi incorporada ao texto do plano porém, em anos subseqüentes, foram aprovadas alterações pontuais de zoneamento, em sua maioria destinadas a atender os interesses dos mesmos grupos e indivíduos que patrocinaram as emendas apresentadas em 1996/97.

Entre estas alterações está incluída aquela que modificou o zoneamento na região da bacia do Itacorubi permitindo a construção de edifícios em locais que anteriormente estavam destinados a implantação de residências.

Curiosamente, a moratória que está sendo analisada pela Câmara de Vereadores visa eliminar os efeitos negativos de uma mudança pontual de zoneamento aprovada naquela casa.
Estão pedindo aos bruxos que revertam sua bruxaria!

2 – O Caso das transferências de Índice.

Em 2006 a Câmara de Vereadores, o “Grande Fórum da Bruxaria Mané”, aprovou uma lei que alterava os critérios estabelecidos no Plano Diretor de 1997 para a transferência do direito de construir, também conhecida como “Transferência de Índice”.

Este mecanismo malandro que permitia comprar índice de aproveitamento no Ribeirão da Ilha por meia dúzia de tostões, aplicando-o na avenida Beira Mar Norte onde passava a valer meia dúzia de milhões, seria substituído pela criação de regras mais rígidas em relação ao assunto.

Diversas empresas da construção civil, assustadas com a possível perda dos altos lucros decorrentes deste mecanismo embutido no plano diretor apresentaram, a toque de caixa, 70 projetos de construção de prédios que, miraculosamente, foram aprovados e licenciados pela SUSP em 35 dias, através de processos sumários os quais, sob circunstâncias normais, demandariam meses de tramitação.

Esta “bruxariazinha” foi muito rentável até o momento em que, por ação do Ministério Público, a lei aprovada pela Câmara foi declarada inconstitucional.

Neste caso os “trouxas” foram representados pela indústria da construção civil, que pagou em dobro por um produto que costumava comprar pela metade.

3 – Operação Moeda Verde

Em 3 de maio de 2006 a rede telefônica de Florianópolis foi sobrecarregada por telefonemas de pessoas que avisavam a amigos e conhecidos: “Ligue a televisão, você não vai acreditar, estão prendendo os maiores figurões da cidade”.

Era verdade, algumas das pessoas mais conhecidas do município, freqüentadoras habituais das colunas sociais, econômicas e políticas da mídia local estavam sendo encarceradas na sede da Polícia Federal.

Os mais esperançosos acreditaram que naquele momento estava ocorrendo uma reviravolta histórica no processo de uso do solo em Florianópolis, supostamente os “bandidos”, então encarcerados, cederiam lugar aos “mocinhos”, gente que iria atuar segundo as regras estabelecidas.

Trouxas, não foi este o final da história.

O epílogo real conta que os encarcerados foram liberados, alguns agraciados com cerimoniais de “desagravo”, e ficou tudo como sempre fora até então.

A operação Moeda Verde enfatizou que Florianópolis tem donos, eles são ciosos de sua propriedade, e não existem instituições públicas, municipais, estaduais ou federais com poderes suficientes para alterar este fato.

Ao contrário do que pensaram os trouxas a Moeda Verde não foi um tsunami, foi apenas uma marolinha.

A moratória proposta para as construções na bacia do Itacorubi representa apenas mais um capítulo nesta história do confronto entre bruxos e trouxas em que os trouxas sempre serão os perdedores.

Para mudar o epílogo desta história seria necessária uma mudança inconcebível no mundo de J.K. Rowling: os trouxas teriam de reagir, coisa que nunca ocorreu antes.

Do ponto de vista urbanístico a moratória proposta é coerente, ela propõe a criação da infra-estrutura de serviços (água, esgoto, transporte e energia) para atender à demanda destes serviços gerados pela construção de edifícios e conjuntos residenciais numa região historicamente carente de tais benefícios.

Por outro lado, atrela o processo de desenvolvimento regional a zoneamentos adequados que serão estabelecidos pelo novo plano diretor, cuja aprovação não tem prazo definido.

Outra medida que está sendo analisada pela Câmara de Vereadores é a regularização dos estabelecimentos comerciais que atualmente funcionam com sustentação legal precária graças ao chamado “ex-oficio”.

Segundo o texto submetido a Câmara, os estabelecimentos que funcionam sob esta condição teriam um ano para legalizar sua situação junto à municipalidade por meio de processos que deverão ser encaminhados à SUSP.

Ocorre que a SUSP é comprovadamente o órgão mais corrompido da administração municipal. Os inquéritos da Polícia Federal demonstram que o IPUF, até então considerado um órgão idôneo, também conta com sua parcela de funcionários cuja integridade é colocada em dúvida.

Boa parte dos estabelecimentos que operam sob o regime “ex-ofício”, possuem alvarás expedidos pela Vigilância Sanitária e pelo Corpo de Bombeiros, sua situação semilegal decorre da postura da SUSP e/ou do IPUF.

Segundo o texto enviado a Câmara de Vereadores a legalização dos estabelecimentos que operam em regime “ex-ofício” depende de trâmites junto a estes órgãos que inviabilizaram esta possibilidade anteriormente.

Solução :

Caso houvesse real interesse da municipalidade em legalizar os estabelecimentos que hoje funcionam de forma precária seriam necessárias algumas medidas :

1 – Excluir a SUSP e o IPUF do processo.

2 – Criar uma secretaria provisória para regularização dos estabelecimentos que operam em regime “ex-ofício”.

3 – Esta secretaria deveria ser constituída por técnicos contratados por período determinado (Sem vinculo com a SUSP ou IPUF).

4 – Estabelecer esta secretaria provisória em espaço compartilhado com a Vigilância Sanitária e o Corpo de Bombeiros.

5 – Colocar “on-line” todos os processos de regularização de estabelecimentos comerciais para permitir o livre acesso aos trâmites.

6 – Instalar esta secretaria em um espaço controlado por “Web-cams” que permitam a livre visualização das atividades ali desenvolvidas.

Como sabemos, as hipóteses acima relacionadas eliminariam qualquer possibilidade de “interferência política” nos processos, ou seja, eliminaria a hipótese de cobrança de propinas em um ano eleitoral, sedento de “verbas de campanha”.
Significa que os bruxos continuarão fazendo suas bruxarias e os trouxas, como sempre, permanecerão trouxas.

5/12/2007

NÃO FOI UM TSUNAMI, APENAS UMA MAROLINHA

Em maio de 2007 a população de Florianópolis estarrecida tomou conhecimento da Operação Moeda Verde. Estarrecida em termos.

Muitos moradores da cidade foram surpreendidos, não pelas informações que vieram a público e sim pelo fato de ocorrer uma operação desta natureza sem oportunidade para que os “donos da cidade” pudessem abafar o assunto como ocorre habitualmente.

Explica-se, algumas pessoas que desejariam fazer ou fazem parte do grupo que decide em “petit- comitée” os principais temas relativos ao presente e o futuro da capital de Santa Catarina gozaram do duvidoso prazer de uma hospedagem nas celas da Polícia Federal.

Este acontecimento, cuja relevância foi superestimada na ocasião, poderia representar um marco na história da cidade: o momento em que os interesses de um pequeno grupo fossem substituídos por outros que representassem os anseios da maioria, na prática corresponderia a substituição do feudalismo pela democracia.

O destino, com a ajuda de “uma mãozinha aqui e outra ali”, não quis que fosse assim.

Passados vários meses o que se percebe é que o assunto está caindo no esquecimento, passou das manchetes para as páginas em que temas de pouca importância são tratados em pequenas matérias impressas com letras igualmente pequenas.

Por outro lado, fatos “relevantes” ocorreram neste meio tempo, os times da cidade não foram rebaixados no campeonato brasileiro, Michael Schumacher veio brincar com karts, mais uma vez um agiota lesou um grupo de incautos e a vida continua.

Os implicados pelas investigações da Polícia Federal retomaram suas atividades como se nada houvesse ocorrido, as construções ilegais continuam em andamento, a pleno vapor, o trânsito está mais caótico, o preço da carne está “pela hora da morte” e a vida continua.

Ninguém quer investigar nada.

O prefeito que perdeu parte de sua equipe acusada de corrupção não julgou necessário investigar as atividades da SUSP e do IPUF.

O Ministério Público Estadual, sempre equilibrado sobre o muro, mantém um silêncio constrangedor.

O CREA não manifestou qualquer reação ao fato de boa parte dos indiciados ser constituída por engenheiros e arquitetos.

Sem dúvida a vida continua.

A operação Moeda Verde não foi um tsunami, apenas uma marolinha.

8/11/2007

DEMAGOGIA

[Do grego demagogía.]

S. f.

1. Dominação ou preponderância das facções populares.

2. Conjunto de processos políticos hábeis tendentes a captar e utilizar, com objetivos menos lícitos, a excitação e as paixões populares.

3. Afetação ou simulação de modéstia, de pobreza, de humildade, de desprendimento, de tolerância, etc., com finalidade demagógica.

4. Pejorativo: Demagogice.

AH !!! Aí está você.

Nem precisei perguntar, sua mulher logo informou: “O bunda-mole está sentado em frente à televisão coçando o saco”. Garoto, seu cartaz está no bagaço.

Que futebol que nada. O lanterna bateu o campeão? Grande coisa, lanterna é aquilo que você iria precisar nos próximos anos caso a reunião de ontem não houvesse chegado a um bom resultado.

Esperei algum tempo por você e os seus amigos, não preciso lhe dizer que não fiquei muito surpreso quando vocês, e a população do centro de Florianópolis, não apareceram.

Depois reclamam dizendo que “eles” estão de sacanagem. Sacanagem sim, mas muito bem organizada e vocês? Levantaram um dedo para tentar modificar a situação? Que nada, estão confiantes que sempre haverá “alguém” que faça “alguma coisa”.

Pois quando decidiram não ir a reunião onde seria discutida a nova subestação da CELESC perderam a rara oportunidade de assistir a alguns dos “luminares” da administração local e das entidades comunitárias baterem, simbolicamente, no peito e afirmarem: “Mea culpa”.

Foi uma espetáculo interessante, seria adequado chama-lo de “Convenção daqueles que mijaram no tapete da sala”.

Foi apenas após as declarações do presidente da ANEEL que este povo percebeu que trocou os pés pelas mãos. Lembra da declaração?

Apesar de haver quantidade de energia suficiente para abastecer a cidade, não foram construídas linhas de transmissão ligando a capital catarinense ao restante do país porque órgãos ambientais municipais e a Câmara dos Vereadores não autorizaram.

Florianópolis perceberá a contradição entre qualidade de vida e uma postura ambiental muito firme. Há uma alta probabilidade de acontecer pequenos blecaute quanto houver picos de consumo no Réveillion e no carnaval".

Aí está a sua lanterna rapaz, no próximo verão será muito útil.

Estavam presentes todos os protagonistas da lambança:

- Muitos políticos com seus “motores Flex” mas, curiosamente, os poucos tracionados por “Motores mono-combustível” não compareceram.

- Aquele xerife que deveria estar caçando contraventores mas, aparentemente, prefere conviver com eles.

- Os burocratas e aspones de praxe neste tipo de evento.

- Os representantes das entidades comunitárias, que por ocasião do projeto anterior, inviabilizado por todos eles, diziam que iria abalar a saúde da população residente no entorno. Mudaram da água para o vinho, agora querem que seja construído um play-ground junto à subestação.

Como resultado desta brusca e inusitada mudança de posição ninguém prestou atenção ao único palestrante da noite que deveria ser o centro das atenções : um engenheiro, especialista em campos eletromagnéticos que explicou: nunca houve, tampouco haverá, problemas de doenças originadas pela subestação.

Pois o homem falou para as paredes, todos assistiram sua apresentação com impaciência, era nítido que ninguém estava interessado no assunto. A uma parte dos presentes não interessava salientar que havia explorado a falta de conhecimento da população e a outra, não interessava demonstrar que havia se prestado a um papel ridículo.

Meu garoto, você prefere que eu lhe conte uma mentira piedosa ou a verdade cruel? A verdade ? Pois bem.

A verdade é que a reunião de ontem foi uma belíssima encenação, daquelas para inglês ver; ficou evidente que as partes envolvidas já haviam chegado a um acordo bem antes daquele teatrinho, que será reprisado infinitas vezes, pela TV Câmara.

Assista meu rapaz. O teatro sempre educa.

Você e seus amigos, além de todos os moradores do entorno do Morro da Cruz, ao não comparecerem àquela reunião perderam a rara oportunidade de ver como as coisas poderiam ser diferentes caso poupassem seus sacos, seus olhos e seus miolos, assistindo menos programas idiotas na televisão e participando um pouco mais da solução dos problemas da cidade.

Sua mulher tem toda razão: “Boa noite bunda mole”.

4/11/2007

O ESCUDO MANÉ

Um aspecto pouco percebido da Operação Moeda Verde é o seu ineditismo. Atônitos, muitos dos envolvidos, além de um número considerável de pessoas em Florianópolis, tentam entender: Como foi possível tamanho estrago na reputação de diversos representantes, supostamente ilustres, da sociedade local?

A resposta é elementar: foi uma OPERAÇÃO FEDERAL! Ela escapou ao controle de danos do escudo social que protege os “do andar de cima” do edifício social chamado Florianópolis que, ao longo de anos, décadas na verdade, tem permitido acobertar desvios de verbas públicas, corrupção, roubo e delitos de toda a natureza.

Os migrantes que mudaram de outros locais do Brasil para Florianópolis descobriram rapidamente que Florianópolis é um feudo, com senhores extremamente ciosos do seu poder e dispostos a preservá-lo, a qualquer custo.

Na capital de Santa Catarina o sucesso, ou insucesso, em diversos setores da vida econômica está diretamente relacionado à capacidade de aceitar o poder destes senhores que comandam tudo, o bom senso indica que, no mínimo, é preciso manter uma atitude neutra em relação a eles.

A origem deste feudo data dos primórdios do século XX quando foi estabelecida a rivalidade entre o grupo dos “serranos” e “a alemoada do Vale do Itajaí”.

A proclamação da república e a constituição de partidos políticos deu nome a estes grupos.

Durante algum tempo foi “PSD versus UDN”, depois “Arena versus MDB”, posteriormente “PPS versus PMDB” e, em anos recentes, assumiu um novo caráter regional: “A turma de Florianópolis versus a turma de Joinville”.

Nomes diferentes para a mesma situação.

A alternância do poder entre estas duas facções gerou uma necessidade comum a ambas, estabelecer um equilíbrio razoável na máquina pública de tal maneira que os eventuais ocupantes do poder estadual e municipal fossem seguramente impedidos de fiscalizar as administrações de seus opositores.

“Você não mostra o seu que eu não mostro o meu”.

Uma das estratégias que assegura este equilíbrio é o preenchimento dos cargos públicos com “manezinhos de boa estirpe” ou pessoas de outros municípios com “perfil ideológico adequado”.

Esta política por vezes gera fraudes em concursos para preenchimento de cargos públicos, faz parte do jogo, o equilíbrio precisa ser mantido.

Desta maneira, alguns órgãos da administração como a Justiça, Procuradoria Estadual e o Tribunal de Contas são rigorosamente divididos entre “situação” e “oposição”. É uma questão de sobrevivência política.

Este loteamento de cargos também atinge alguns órgãos da administração federal porém passa ao largo da hierarquia de órgãos como a Procuradoria Geral da República, Justiça Federal e Polícia Federal, sobre os quais a “República dos Manés” não conseguiu estender seus tentáculos.

Este insucesso em “domesticar” a máquina administrativa federal em Santa Catarina explica o sucesso da Operação Moeda Verde.

A “Turma de Florianópolis” e a “Turma de Joinville” não foram convidadas a opinar, antes, durante ou depois da operação. Apenas cumpriram rituais auto-ridicularizantes como os chamados “desagravos”.

A relação dos indiciados apresenta alguns nomes que são velhos conhecidos da submissa população da capital. Eles não costumam freqüentar os noticiários da imprensa escrita, falada ou televisionada mas são “figurinhas carimbadas” na”imprensa sussurrada”, a mais corrosiva e eficiente de todas.

Isto explica uma das mais extraordinárias abstenções legais vistas em Florianópolis até então: o total silêncio das autoridades estaduais em relação ao órgão mais corrupto da administração municipal de Florianópolis: a SUSP (Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos).

Diversos ex-secretários e funcionários desta secretaria foram incluídos na relação dos indiciados pela Polícia Federal.

Todos os processos de liberação de alvarás, TODOS, passaram pela SUSP.

O vereador acusado de “liderar uma quadrilha” agia como “proprietário” desta secretária, situação que foi divulgada pela imprensa local e jamais desmentida.

Pergunta-se: Porquê esta secretaria jamais foi investigada pela Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina ?

Esta falta de atuação foi determinada por quem ? A “Turma de Florianópolis”, a “Turma de Joinville”, ou ambas ?

As empresas de um dos indiciados pela Polícia Federal foram, em determinado momento, objeto de mais de 500 processos simultâneos na Justiça Estadual, assunto que era abordado com ironia pelo círculo de amigos deste empresário.

Pergunta-se: Porque nunca foi apresentado ao público um cruzamento entre os dados da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina, a Justiça Estadual e a relação de empresários e empresas indiciados pela Operação Moeda Verdade?

Talvez a compreensão desta “falta de interesse” das autoridades estaduais possa ser explicada por esta nota publicada pelo jornal “A Notícia “:

Gavetão

A Notícia ; Raul Sartori ; 28/10/2007

Paralelamente aos comentários sobre as descobertas de supostas irregularidades feitas pelas auditorias nas quatro fundações que atuam dentro da Universidade Federal de Santa Catarina, ouve-se cada vez mais a expressão “gavetão”, para qualificar a longa hibernação de grande parte dos processos apurados por comissões de sindicância. Funciona mais ou menos assim: a partir de denuncia, levantam-se os dados nos departamentos. As comissões designadas por pró-reitores conduzem os dados para seus dirigentes superiores. Ali tudo morre, vai para a gaveta, independentemente das recomendações das comissões, cujo trabalho acaba sendo inútil. Impera a impunidade.