segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

30/5/2007

A couraça social

Qual é a sua família ? Você é filho de quem ?

Em Florianópolis a resposta a estas perguntas aparentemente inócuas pode alterar o destino da pessoa a quem são dirigidas. As respostas certas, que envolvem genealogia e relações próximas, abrem portas ; as respostas erradas excluem a pessoa da proteção assegurada pela couraça social.

A operação Moeda Verde, deflagrada pela Polícia Federal em 3 de maio de 2007, colocou em ação os “agentes sociais”.

Políticos e associações de classe empresariais entraram em cena imediatamente após a prisão, e posterior liberação, de diversas pessoas da auto-entitulada elite local e promoveram atos públicos de “desagravo” aos implicados pelas investigações.

Não houve uma voz sequer que propusesse um ato de desagravo às praias, mangues, várzeas, encostas de morro e áreas de preservação ambiental cuja ocupação e destruição foi o resultado, ou objetivo futuro, das supostas ações das pessoas implicadas.

Devido à centralização das atenções nos problemas ambientais, cujo foro é do âmbito do Governo Federal, vem ocorrendo uma desatenção (proposital?) em relação ao corrompimento de alguns órgãos da administração municipal de Florianópolis, cujo foro é do âmbito do Governo Estadual.

O gritante silêncio que envolve a corrupção de instituições públicas municipais é um atestado da força e capacidade de abafar escândalos que caracterizam a ação da couraça social.

Mas o que vem a ser isto?

Para melhor compreender o significado do termo é preciso entender algumas peculiaridades históricas de Florianópolis.

Até o início da década de setenta, ocasião em foi concluído o asfaltamento da BR-101 e a consolidação da estrutura da administração estadual na cidade, Florianópolis era uma pacata cidade com poucas similaridades em relação às outras capitais do sul do Brasil.

A criação da Universidade Federal de Santa Catarina, a transferência da sede da Eletrosul e a divulgação em âmbito nacional das belezas naturais da cidade, deram início a um ciclo irreversível de desenvolvimento e migração.

A principal conseqüência deste processo foi a renovação das lideranças da economia local. O comércio e boa parte do setor de serviços, até então monopolizados por membros de famílias locais, passaram, em parte, para as mãos de pessoas que vieram para a cidade no bojo do processo de migração.

Esta mudança de perfil das atividades da iniciativa privada, conseqüência da capacidade competitiva dos migrantes, transformou o serviço público na opção que restou para preservar o poder, tanto no âmbito municipal quanto no estadual.

A massacrante burocratização das instituições públicas brasileiras contribuiu para assegurar abrigo àqueles que foram eliminados pelo processo altamente competitivo que vigora na iniciativa privada.

No poder público o bom relacionamento social (QI = Quem Indica) e a consangüinidade pesavam mais que o preparo intelectual e a capacidade de produção.

Em Florianópolis a força que sustenta a couraça social encontra-se profundamente encravada no serviço público municipal e estadual e, por ironia da história, determinou a alteração dos padrões éticos da iniciativa privada.

Com a entrada em vigor dos dispositivos da Constituição de 1988 estabeleceram-se os mecanismos que deram origem à impunidade vigente no Brasil.

Uma das conseqüências do manto de proteção que foi estendido sobre todos aqueles que infrigiram dispositivos legais (atentos aos textos legais), foi o efeito bumerangue: muitos dos excluídos da iniciativa privada por força da competição retornaram a ela, ou passaram a beneficiar-se dela, com base na suposta aplicação de dispositivos legais.

Esta operação foi sumarizada ironicamente por um político que cunhou a expressão: “Criam-se as dificuldades para vender as facilidades”.

Como conseqüência, em muitas das grandes e médias cidades brasileiras, dentre elas Florianópolis, consolidaram-se nos órgãos responsáveis pela expedição de alvarás de construção máfias de servidores públicos cujo objetivo era, e continua sendo, a extorsão de propinas daqueles que buscam estes documentos.

Estas máfias abrangem toda a cadeia de órgãos responsáveis pelos licenciamentos.

A existência de uma estrutura desta natureza foi explicitada nas declarações da delegada Júlia Vergara da Polícia Federal, responsável pela execução da operação Moeda Verde, que disse : “Está tudo dominado”.

Esta frase resume o assunto.

A couraça social é a resposta de um segmento da população de Florianópolis ao esforço de uma organização do Governo Federal que “ousou” expor particularidades pouco recomendáveis de lideranças locais.

Enquanto as forças do Governo Federal tentam colocar alguma ordem neste território dominado onde prevalece o silêncio das autoridades estaduais e municipais e o manto de proteção da couraça social, cabe uma pergunta :

Qual é a sua família ? Você é filho de quem ?

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